domingo, 26 de julho de 2009

Why so serious?


(“E o palhaço o que é? É ladrão de mulher”)

Tomo por um instante emprestado a história de uma amiga para escrever esse texto. Que poderia ter acontecido com qualquer uma. Ou duas. Ou mais. O fato é que essa distinta senhora, mulher madura, bonita e de bom caráter, de boa família, boa profissional, teve um affair com um… palhaço. Não no sentido pejorativo, nem figurado. Mas, real. Conheceu um rapaz, não sei bem onde, encantou-se, achou-o interessante e divertido. Muito divertido por sinal. E até não acreditou quando soube que ele ganhava a vida como palhaço. Que seu ofício era fazer palhaçadas, de maneira séria. Achou que estivesse brincando. Não que tivesse preconceito, muito pelo contrário, pois ela é uma das pessoas mais sem preconceito que conheço. Porém, o inusitado a fez pensar. Por que um palhaço? Seria a vida pregando-lhe uma peça? Uma comédia? Que engraçado – pensei. E tomei esse ato de sua vida para fazer uma defesa da classe. Como um legítimo, sério e ao mesmo tempo, debochado, representante.

Porque todos nós homens carregamos um pouco de palhaço dentro de si. Uns mais, outros menos. Mas todos temos a cara pintada, nem que seja de maquiagem invisível. Todos queremos fazer as mulheres felizes. Queremos a sua risada. E quando conseguimos, passamos a desejar sua gargalhada. E quanto mais rasgada for, sinal que o show está agradando. Já disseram que as mulheres bem sucedidas dos trinta e poucos pra frente, se não se sentem realizadas no campo sentimental é porque querem muito mais que um companheiro ou um cúmplice. Querem alguém de bom humor, que saiba diverti-las e entretê-las. E nunca entediá-las. Tem que ser mágico também. Domador de feras. Equilibrista por uma semana, em cada mês. Malabarista que gira pratos na vareta. Trapezista sem rede de proteção. Ou seja, tem quer ter o talento do circo inteiro. Mas sempre, e primordialmente, com a alegria que só o palhaço tem.

Segundo pesquisas de uma fonte das mais confiáveis, a Helvetica, os palhaços são os melhores amantes. É gozo garantido e muitos dentes saltando para fora da boca, num movimento muscular facial, mais conhecido como sorriso. Palhaços também não reclamam do batom, nem da maquiagem, adoram as que se vestem com extravagância, cores e estilo se assim o quiserem, acham graça em tudo. E também adoram deixá-las sem graça, ruborizadas como se estivessem prontas para dividir com ele o picadeiro. A próxima gag pode ser melhor se for a dois.

Então, minha querida amiga, ou qualquer outra você que me lê, não ligue para o que a platéia vai pensar. Se um palhaço cruzar o seu caminho, aproveite. Ele vai te mandar flores. E elas espirrarão água. Ele vai pegar na sua mão. E você vai sentir um leve choque. Ele vai te buscar em casa. E o seu calhambeque colorido vai chegar barulhento e soltando o capô para fora. So what? Why so serious? The roof is on fire. We don’t need no water, let the motherfucker burn. Burn, motherfucker, burn.

Só, por favor, dê preferência aos legítimos e/ou profissionais. E muito cuidado com os amadores, que desses, o mundo está cheio.

domingo, 12 de julho de 2009

Existem coisas que eu realmente não entendo.

Ainda me lembro, como se fosse ontem, daquelas agitadas tardes de domingo no campo do Doravante Esporte Clube.

O ano era 1989, e o campeonato metropolitano de várzea ardia como brasa. A rivalidade entre os bairros refletia nas torcidas, que por sua vez transmitiam o clima tenso para dentro de campo. Não raro, partidas acabavam em pancadaria generalizada. Não raro, o trio de arbitragem deixava o local sob a proteção policial.

Mas nada disso apagava a minha admiração pelo Doravante Esporte Clube. Não só por ter nascido e sido criado nas ruas do bairro; e sim porque o meu velho pai fôra o quarto-zagueiro mais idolatrado da história do time. Pena que eu não herdei todo o seu talento e tive que me contentar em ficar nas arquibancadas. E foi justamente das arquibancadas que eu avistei aquela figura de que não me esqueço jamais.

Pinta de malandro suburbano. Estatura mediana. Sempre de branco da cabeça aos pés: camisa, calça, sapatos e boina. Parecia um Pai de Santo. Uma entidade. Na boca, dois dentes faltando e muito palavrão sobrando. Nêgo Jóia era quase lendário. Já tinha sido de tudo um pouca em sua vida: carpinteiro, pintor, massagista, mascate. Cobrador de ônibus até um dia em que a linha 777 foi assaltada e ele dedurou um dos assaltantes. Aí andou sumido por uns tempos. Nêgo Jóia tinha uma marca registrada: seu incorrigível mau-humor. Era do tipo que reclamava de tudo. Do calor, do frio, da chuva, do vento, da molecada da rua e principalmente do Amaral, ponta-esquerda do Doravante.

Pobre Amaral. Não tinha um só jogo em que o Nêgo Jóia não pegasse no seu pé. Quando prendia a bola, Nêgo Jóia o xingava por atrasar a jogada. Quando soltava rápido, era achincalhado por não cadenciar o jogo. Todo jogo, era a mesma coisa. Nêgo Jóia no alambrado aborrecendo o coitado do Amaral:

- Desgraçado, pede pra cagar e sai!

O Doravante mudava de lado, Nêgo Jóia também. Só para acompanhar o sujeito:

- Porra, vai ser azedo assim na puta que o pariu.

Na verdade, Amaral não andava lá em boa fase, mesmo. Quase sempre matava de canela. Perdia gols incríveis, desses que até um garotinho de seis anos de idade faria. Até gol contra, de cabeça, tinha feito. A uruca estava brava. Diziam que alguém tinha feito um trabalho e amarrado suas pernas. Diziam que tinha arrumado uma amante e esquecido a família. E o futebol também. Mas continuava no time. E Nêgo Jóia no seu pé:

- Caralho, tira essa merda do time!! Ô seu treinador, tira essa porra! Fora Amaral! Fora Amaral!

Parecia pessoal. Nêgo Jóia tinha uma bronca tão grande do rapaz que em certas horas chegava a incomodar. Ele nem sequer prestava atenção na partida. Só queria saber de azucrinar. A bola do outro lado do campo, e ele xingando. O jogo paralisado, e ele ofendendo. Coisa de louco.

Até que um dia o Lima, treinador do time, resolveu sacar o Amaral. Não que as broncas do Nêgo Jóia tivessem influenciado. O Lima sacou que o cara estava precisando esquentar um banco. Já tinha tido muita chance. Nêgo Jóia, claro, delirou.

Como que num passe de mágica, o Doravante mudou da água pro vinho. O Betinho, que ocupou a vaga deixada pelo Amaral, caiu como uma luva no esquema do time. O menino era um azougue; saracoteava pela ponta, deixando os laterais adversários malucos. Invariavelmente era considerado o melhor em campo. Por causa dele o time passou a golear seus oponentes, desfilando atuações impecáveis, liderando o campeonato.

Então naquele domingo, nosso glorioso Doravante batia o Estrela Azul por cinco a zero, em mais uma grande jornada de Betinho e do time todo. Notei aquela figura, que andava um tanto sumida, toda de branco se dirigindo ao alambrado e parando bem atrás do banco do Doravante. Era ele, Nêgo Jóia. Confesso que não acreditei quando o ouvi gritar:

- Ô Lima! Ô Lima! Põe o Amaral! Põe o cara.

Cheguei até mais perto para poder ouvir melhor.

- Ô Seo Lima, põe o Amaral! Amaral-Amaral-Amaral!!!

Eu não estava entendendo mais nada. O cara que mais odiava o Amaral, agora o queria no time! Não me contive e fui ao seu encontro para saber o porque dessa mudança repentina.

- Qual é Nêgo, tá apaixonado pelo Amaral?

- Que é isso, dotô? Tá me estranhando? Eu quero que esse cara se dane.

- Não parece. Por que você o quer no time?

- Justamente por isso, dotô. Se ele não tá no time, de quem é que eu vou reclamar?

Existem coisas que eu realmente não entendo.

Ensaio sobre a fé.

Alguém um dia disse que não é preciso ser brasileiro para ter fé, mas que é preciso ter fé pra ser brasileiro. E é a pura verdade. Quantas vezes você já ouviu isso? Que o brasileiro, antes de tudo, é um forte? Que o Brasil é o país do futuro? A despeito da credibilidade nas previsões ou pensamentos visionários, tudo se relaciona ao modo de vida que levamos. Que é baseada na fé. É a fé religiosa, a crença na santa de devoção, nos orixás, até a torcida que empurra a bola pra dentro do gol. É a fé no social, a confiança que tudo vai melhorar, a certeza de que vai chegar lá. A esperança, que dizem nunca morrer, tá no sangue, na alma e no coração do brasileiro. Que quando nasce já aprende, sem ninguém ensinar, que acreditar vale a pena. E segue acreditando. Confiando. Torcendo. Claro que só isso não basta. Tem que justificar a crença na prática. Pensar e agir. Como milhões fazem todo dia ao acordar. Tantas pessoas nas ruas, indo para tantos lugares. É a fé que move montanhas de gente. Que outra explicação há senão a fé, de um povo que canta que “verás que um filho teu não foge à luta”? Não foge porque crê. E vê. Ver pra crer. Crer pra ver. Alguém um dia disse que em algum lugar existe um homem feliz. Esse lugar era o Brasil. Pode botar fé que era mesmo.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Uma cena qualquer.

Em pleno feriado de Corpus Christi, eu vi essa cena aí de cima. Estava indo tomar café-da-manhã na padaria e tinha um rapaz, aparentemente um morador de rua, parado na rotatória que fica na esquina do meu prédio. Imóvel, ali no meio daquele círculo. A cena me intrigou. Tive vontade de ir lá falar com ele e saber o porquê daquilo. Mas morar em São Paulo é assim mesmo. Ninguém dá bola pra esse tipo de situação. Fiz uma foto e só. Os motoristas que passavam, freavam. E não porque ali é um cruzamento de ruas, pois normalmente não o fazem. A preferencial é de quem vem descendo. Muito provavelmente, estavam assustados com o homem. Poderia ser um suicida, querendo se jogar na frente de qualquer carro. Poderia ser um ladrão, querendo roubar. Morar em São Paulo é assim mesmo. Talvez fosse só um pobre sujeito, que, àquela hora da manhã já estava com a cara cheia de bebida ou outra coisa qualquer. Talvez tristeza. Ou outra coisa qualquer.

Fiquei com aquilo na mente o tempo todo que permaneci na padaria e decidi fazer algo mais na volta. Um pouco mais do que só tirar a foto. Quem sabe pagar-lhe um café, um pão com manteiga. Ou outra coisa qualquer. Mas quando voltei o cara já tinha sumido. Muito rápido. Muito efêmero. Morar em São Paulo é assim mesmo.

Não quero romantizar a desgraça alheia. Nem pregar contra a injustiça social, a falta de oportunidades, a miséria humana. Não vou fazer disso um parlatório de discursos vazios. Mas enquanto ele ainda estava lá, estático, eu ia subindo a rua e olhando para trás a cada cinco segundos, pra ver se ele saía ou que diabo de final teria aquela cena. Foi um desses instantes que a minha câmera captou. No instante seguinte, lembrei-me desse vídeo do UNKLE.

Acho que eu preciso parar um pouco de enxergar cinema e música em todas as cenas que vejo.